domingo, 28 de junho de 2015

CURSO DE AGRICULTURA NATURAL E GESTÃO AMBIENTAL - 2015: AULA 14 - INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA AMBIENTAL

INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA AMBIENTAL

O QUE SÃO E ONDE ESTÃO OS MICRORGANISMOS NATURAIS

Os microrganismos habitam o planeta Terra há pelo menos 2,5 bilhões de anos. Quando os primeiros organismos pluricelulares, que deram origem a todos os animais e plantas do nosso planeta, surgiram há mais ou menos 1 bilhão de anos, os microrganismos unicelulares, como as bactérias, já habitavam nosso mundo 1,5 bilhões de anos antes. Com esses números em mente dá para ter a noção de como os microrganismos são antigos e o quão especializados e diversificados são depois de tanto tempo disponível para evoluírem na Natureza. De fato, de acordo com alguns pesquisadores, se considerarmos toda a produção científica feita pela humanidade na área de microbiologia, desde que Louis Pasteur identificou os primeiros microrganismos até os dias de hoje, talvez não tenhamos conseguido conhecer 0,3% dos microrganismos que se acredita existirem no nosso planeta. E talvez ainda, para muitos, esse número percentual pode até ser superestimado, ou seja, existirem na Terra muito mais microrganismos diferentes do que se imagina.

O mundo natural possui, como vimos anteriormente, sua própria complexidade microbiológica. Cada local ou região, com suas características de clima e regime de chuvas, por exemplo, possui sua própria matriz microbiológica do solo. Isto quer dizer que cada local possui, natural e originalmente, vida suficiente para manter seu ecossistema em equilíbrio dinâmico. Nos módulos anteriores dos nossos livros do Curso de Agricultura Natural já tivemos a oportunidade de discutir os fundamentos da prática agrícola que respeita os ciclos naturais. O leitor poderá encontrar naqueles módulos descrições desses fundamentos e mesmo para aqueles que já leram recomendamos uma rápida revisão desses tópicos.

Quando nos deparamos com um ecossistema dinamicamente equilibrado, com a vida pulsando forte em todos os seus níveis tróficos, temos à nossa disposição uma incalculável riqueza microbiológica pronta para nos oferecer inúmeros benefícios. O solo de uma machamba ou mesmo de uma horta caseira onde se pratica a Agricultura Natural de forma correta e plenamente sustentável e ainda observando todos os seus fundamentos como biodiversidade, proteção do solo, presença de grande quantidade de matéria orgânica, presença de arvores diversificadas, água de boa qualidade, etc., é o que podemos chamar de fantástica fábrica de microrganismos eficientes. Uma frase famosa de Louis Pasteur diz que “a importância dos infinitamente pequenos é infinitamente grande”. A parte viva e mais ativa da matéria orgânica do solo é constituída em sua maioria pelos microrganismos e são eles os responsáveis pelo funcionamento do solo. Sem a presença dessa parte viva, o solo seria simplesmente uma mistura de areia, silte e argila. O que faz o solo ser o solo propriamente dito é a vida que há nele. E é possível, com alguma técnica, coletar grupos de microrganismos naturais e eficientes a partir das nossas próprias machambas ou hortas caseiras para produzir suspensões microbianas que poderão nos ser úteis em diversas aplicações, como veremos mais adiante nesse capítulo.

Outra fonte muito interessante desses microrganismos eficientes são as matas e capoeiras relativamente preservadas. A camada superficial do solo desses locais, comumente chamada de serapilheira, contém inúmeras espécies de microrganismos benéficos que poderão fazer parte de nossas suspensões microbianas. Contudo, por razões éticas e ambientais, tenha em mente que a retirada de qualquer fração que seja dessas áreas sem a devida autorização legal ou mesmo de algum estudo prévio de impacto ambiental, poderá por em causa todo o nosso trabalho. A existência de áreas que não sofreram nenhum tipo de degradação pelo homem é cada vez menor, principalmente no interior de muitos países africanos. Não terá nenhum sentido querer recuperar a natureza de um determinado local em detrimento de algum outro. A coleta de microrganismos de solos de matas e áreas protegidas precisa ser feita com muito critério e preferencialmente com a supervisão de algum profissional qualificado da área ambiental.

Também por esse motivo, o ideal é que nas nossas áreas agrícolas deixemos sempre um percentual de área onde a vegetação nativa, incluindo árvores e arbustos, possa se desenvolver plenamente, ou ainda, caso essas áreas já existam num determinado local, preservá-las a todo custo. Essas áreas de reserva são como uma espécie de banco de seguros, onde o agricultor poderá ter à sua disposição inúmeras vantagens, dentre as quais os próprios microrganismos eficientes do local.


QUAIS OS TIPOS DE MICRORGANISMOS EFICIENTES?

Como dissemos anteriormente, os microrganismos constituem a forma de vida mais antiga do nosso planeta. E como tal, são extremamente eficientes para as funções que a Mãe Natureza os programou durante centenas de milhões de anos de evolução. Vamos dar alguns exemplos.

Se um animal qualquer morre na savana, e considerando que nenhum outro animal se alimente dos seus restos, um verdadeiro batalhão de microrganismos entra em cena com a missão de decompor aquela carcaça da forma mais eficiente possível, do ponto de vista termodinâmico. Dadas estas condições, a via normalmente escolhida pelos microrganismos é a chamada putrefação, onde os restos de carne e eventualmente ossos, serão decompostos em estruturas químicas menores, devolvendo ao sistema a energia acumulada ao longo da vida daquele animal. O mesmo acontece com uma árvore caída, uma casca de banana jogada ao chão, nossas fezes, etc. A energia que os seres vivos acumulam ao longo de suas existências e que fica concentrada em seus corpos e resíduos precisa ser devolvida ao sistema natural e os microrganismos possuem a tarefa de levar esse processo adiante. Contudo, principalmente para nós, seres humanos, nem sempre a rota metabólica escolhida pelos microrganismos nos são úteis, ou melhor, nos são favoráveis. Substâncias como as mercaptanas, os sulfetos e inúmeros outros compostos sulfurados oriundos da putrefação de resíduos orgânicos podem até ser prejudiciais à nossa saúde. Isso além do incômodo dos odores putrefados, que tanto nos aborrecem. Além disso, esses compostos ainda atraem moscas e diversos outros animais como baratas e ratos que, por sua vez, funcionam como vetores de inúmeras doenças aos seres humanos, principalmente nos grandes centros urbanos do mundo. Na verdade, todo o processo se desencadeia de forma a distribuir a energia, que antes existia acumulada na carcaça animal ou vegetal, o mais rápido possível. Por essa razão muitos animais são atraídos pelo cheiro podre a fim de facilitar a dissipação daquela energia, como é o caso das moscas. Mas, como dissemos, nem sempre isso se passa de forma agradável aos sentidos humanos, razão pela qual devemos tentar controlar o processo, ou pelo menos parte dele.  




Contudo, não é pelo fato desses microrganismos produzirem compostos indesejados aos seres humanos que eles não sejam considerados naturais e mesmo eficientes. Afinal, como já dissemos, a Natureza os programou há muito tempo para desenvolverem exatamente esses papéis. Por outro lado, temos também diversas outras vias metabólicas desenvolvidas por determinados grupos de microrganismos que podem nos ser muito úteis. Por exemplo, pela via fermentativa, diversos microrganismos podem decompor a matéria orgânica até certo ponto e os seus produtos metabólicos poderão ter diversas aplicações no nosso dia a dia. A fermentação láctica, que produz o ácido láctico, dentre outras substâncias, pode ser conduzida com relativa facilidade e os subprodutos desse trabalho microbiológico poderão encontrar algumas aplicações práticas muito interessantes, como veremos nos capítulos seguintes desse nosso livro.

Contudo, nosso interesse, no contexto do nosso trabalho com a Agricultura Natural e na gestão do meio ambiente, é naquele grupo de microrganismos do solo que nos ajude nas diversas atividades que fazem parte desse trabalho. Sendo assim, estaremos interessados em quatro grandes grupos em particular de microrganismos relacionados a seguir:

As leveduras (Sacharomyces) (1) são fungos que utilizam substâncias liberadas pelas raízes das plantas, sintetizam vitaminas e que ajudam a ativar outros microrganismos eficientes do solo. As substâncias bioativas, tais como hormônios e enzimas produzidas pelas leveduras, provocam atividade celular até nas raízes das plantas. Os actinomicetos (2) produzem antibióticos naturais e assim ajudam a controlar fungos e bactérias patogênicas (que causam doenças), além de ajudarem a aumentar a resistência das plantas. Já mencionamos as bactérias produtoras do ácido láctico (Lactobacillus e Pediococcus) (3) que produzem o ácido láctico que controla alguns microrganismos nocivos como o Fusarium. Pela fermentação da matéria orgânica não curtida (verde) liberam muitos nutrientes às plantas e esse processo é a base da tecnologia social de gestão dos resíduos orgânicos que apresentaremos ao final desse livro. Por fim, temos de mencionar as bactérias fotossintéticas (4) que utilizam a energia solar em forma de luz e calor. Estamos acostumados a relacionar a fotossíntese somente à energia luminosa e isso é verdade quando lidamos com os vegetais. No entanto, as bactérias fotossintéticas desenvolveram um mecanismo especial através do qual absorvem “luz” na região espectral do infravermelho, a qual pode se originar do calor. De outra maneira não faria muito sentido depender apenas da luz solar direta pois bastariam alguns poucos centímetros abaixo da superfície do solo, não iluminado, para o metabolismo desses microrganismos deixar de funcionar. Esse grupo de microrganismos também utiliza substâncias excretadas pelas raízes das plantas na síntese de vitaminas e nutrientes, aminoácidos, substâncias bioativas e açúcares que favorecem o crescimento das plantas. Além disso, ajudam a aumentar as populações de outros microrganismos, como os fixadores de nitrogênio, os actinomicetos e os fungos micorrízicos.    

Os fungos micorrízicos fazem parte de um grupo de microrganismos (Zigomicetos) que formam associações simbióticas mutualísticas com as raízes da maioria das plantas superiores. Estas associações são visíveis a olho nu e assemelham-se a um entrelaçado de fios de algodão finíssimos que nada mais são que as hifas dos fungos mencionados. Essas hifas se entrelaçam com as raízes das plantas aumentando consideravelmente seu volume, ou seja, sua rizosfera. Dessa forma, a planta é capaz de absorver mais nutrientes, tem maior acesso à água do solo e também a diversas substâncias que melhoram consideravelmente seu metabolismo.

Como sempre dizemos, tudo está conectado e no caso da microbiota do solo não é diferente. Não parece ser razoável pensar apenas nesse ou naquele grupo de microrganismos, seja para avaliarmos a qualidade de um solo do ponto de vista da sua fertilidade ecológica, ou até mesmo para encontrarmos as condições mais adequadas para a degradação de um poluente, no solo ou até mesmo na água. De fato, os microrganismos trabalham em conjunto com cada grupo sendo responsável por uma parte do trabalho.


Quando nos propomos a praticar a Agricultura Natural, ecológica em sua essência, temos de levar em consideração não apenas as plantas, o tipo de solo e os animais presentes. A microfauna do solo terá um papel importantíssimo na própria capacidade produtiva do nosso campo natural. De fato, a matéria orgânica que introduzimos no nosso solo tem muito mais a ver com a alimentação dos microrganismos do que com a nutrição das plantas. Por exemplo, a maior parte do nitrogênio que as plantas acumulam em seus tecidos não é oriundo do nitrogênio contido nos restos vegetais e sim da fixação do nitrogênio atmosférico. Porém, isso só será possível pela ação de grupos específicos de microrganismos, os chamados fixadores de nitrogênio. Por essa razão é que temos de manter nosso solo protegido, bem drenado e nutrido, para que esses e diversos outros microrganismos consigam metabolizar as substâncias necessárias para o pleno desenvolvimento das nossas culturas agrícolas naturais.

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