segunda-feira, 28 de abril de 2014

Download do Módulo 2 da apostila do Curso de Agricultura Natural em Moçambique.



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AULA 10 - Texto de apoio


6. Compostagem

(Capítulo 6 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)

O composto orgânico, assim como toda a matéria orgânica, é um alimento da microvida e, por isso, um condicionador do solo (PRIMAVESI, 2006). Por condicionamento de solo entendemos a sua capacidade de produzir e manter grumos, tornando-o agregado e portanto fisicamente apto a garantir um pleno desenvolvimento das plantas.

Existem várias formas de produzir os compostos para serem usados na Agricultura Natural. Também podem ser empregados vários materiais vegetais, bem como resíduos de determinadas atividades agropecuárias. Este último ponto é um assunto que ainda levanta muitas dúvidas e por isso mesmo vamos aprofundar nele um pouco mais a frente.

Em Moçambique, nosso composto natural muitas vezes não é mais do que folhas e capins secos. Isso porque, em muitos casos, a disponibilidade de água, inclusive para manter as composteiras úmidas, é muito precária. Dessa forma, acabamos por incorporar ao solo materiais que ainda não foram degradados por microrganismos do solo, o que também pode ser, do ponto de vista da conservação de energia, muito interessante.

Numa compostagem convencional, a mistura de resíduos vegetais, muitas vezes acrescida de resíduos agroindustriais e mesmo agropecuários, sofre um processo de decomposição aeróbica denominado fermentação. Para que este processo microbiológico se desenvolva de forma eficiente, são necessários alguns cuidados, como por exemplo, o constante revolvimento das leiras de composto afim de garantir a entrada de ar nos interstícios da massa de materia orgânica. Do contrário, ou seja, se não for fornecido oxigênio suficiente para esse processo, a rota metabólica que será seguida pelos microorganismos será a da putrefação, com a produção de diversas substâncias secundárias, muitas delas tóxicas, indesejáveis para manter nossos solos saudáveis. O processo é exotérmico e isso quer dizer que ele libera grandes quantidades de energia, principalmente na forma de calor. Assim, o revolvimento das leiras também tem o efeito de manter as temparaturas mais amenas, pois do contrário, os microrganismos aeróbicos naturais acabam morrendo, dando lugar aos putrefadores.

Existem vantagens de se incorporar materiais não decompostos no solo, principalmente em termos de conservação da energia contida nesses restos de vegetais. Começamos este capítulo justamente falando que o composto, na verdade, é alimento para a microvida no solo. Portanto, desse ponto de vista, podemos considerar que quanto mais rico ele for nutricionalmente, mas organismos ele irá alimentar. Dessa forma, um número também maior de espécies desses microrganismos acabará se fixando naturalmente no solo. Do mesmo modo que já discutimos a importância de mantermos a biodiversidade dos nossos campos agrícolas em termos de número de espécies de plantas diferentes, também no caso dos microrganismos, além é claro dos representantes da mesofauna, essa biodiversidade será fundamental para o bom desempenho do nosso trabalho com a Agricultura Natural.

Por vezes acontece de muitos agricultores tentarem inocular os seus solos com suspensões de microrganismos tidos como benéficos, como os rizóbios. Tais suspensões podem ser obtidas comercialmente ou até mesmo extraídas das proximidades da área a ser cultivada como, por exemplo, da serrapilheira (aquela camada de folhas decompostas nos solos de matas) de pequenas florestas e capoeiras. Nossa experiência contudo, tem mostrado que se conseguirmos ficar atentos a uma série de conceitos do trabalho natural com o solo, esse tipo de intervenção, que para muitos pode até ser considerada uma espécie de artificialização do sistema, ainda que em menor grau, torna-se completamente desnecessária. Uma das consequêncas imediatas disso é a redução ainda maior dos custos de produção, já que muitas vezes esse tipo de biotecnologia tem um preço alto, principalmente para os padrões camponeses da maioria dos países africanos.

A manutenção da biodiversidade nos campos agrícolas, inclusive com a presença de espécies espontâneas e nativas da região, poderá ser um meio muito eficaz de instalar e manter a microbiota nativa daquele solo. Se esta microbiota será aquela que promoverá a saúde do campo ou aquela que irá até fornecer substâncias tóxicas ao solo e, consequentemente, às plantas, vai depender das ações que forem promovidas pelos agricultores. O argumento muitas vezes usado por fabricantes de produtos biotecnológicos é que seus produtos acabam por resolver todos os problemas dos agricultores, mesmo que eles não tenham nem noção da origem desses mesmos problemas. E esse talvez seja um dos grandes perigos pois, com o tempo, a tendência é as pessoas irem pouco a pouco perdendo a noção de conceitos fundamentais da natureza do solo e, a partir daí, criando a dependência de tecnologias externas.

Recomendamos vivamente a leitura do Capítulo 18 do Livro “Cartilha do Solo”, de autoria de Ana Primavesi, que, na nossa opinião, descreve com extrema lucidez a questão dos compostos na Agricultura Natural e também na agricultura orgânica. Vamos aqui resumir um pouco o texto original, sem tentar perder sua excência.

Quando falamos em composto nas regiões tropicais, temos de levar em consideração que sua incorporação no solo não pode ser feito a mais de 30 ou 40 cm de profundidade. Ao contrário, ele deve ficar na superfície do solo ou na camada superficial e para que isso ocorra, a enxada rotativa pesada não serve para realizar essa operação, razão pela qual recomendamos o uso de maquinarias leves.

O composto produzido com material da própria área pode não manter, necessariamente, a saúde das culturas. Ele vai manter essa saúde se for feito a partir das especies vegetais nativas da região. Do contrário, se for obtido a partir de restos de materiais híbridos, oriundos de regiões de climas completamente diferentes daquela onde se está trabalhando, como de outros países e continentes, dificilmente conseguirão manter uma população saudável de microrganismos nativos. Esse é um erro que muitos agricultores orgânicos e naturais cometem mundo afora. Principalmente no caso das hortícolas, os compostos produzidos a partir de seus resíduos de produção costumam não trazer resultados satisfatórios, já que a maioria delas são originárias de países de climas frios, e portanto, diferente das condições existentes nas regiões tropicais. Essa discussão reforça ainda mais a importância de se preservar as espécies nativas da região nos nossos campos de Agricultura Natural, muitas vezes nascendo de forma espontânea. O composto produzido a partir dessas espécies terá um valor muito superior àquele eventalmente obtido a partir de plantas “estrangeiras”. 
 

Colônias naturais de microrganismos fixadores de nitrogênio (rizóbios) em simbiose com espécies nativas da região do Pólo de Agricultura Natural da Moamba.


Existem muitos trabalhos que decrevem a produção de composto a partir de resíduos industriais como cervejarias, fábricas de processamento de alimentos e até resíduo orgânico oriundo do lixo urbano. Além desse tipo de material, também é muito comum a referência do composto obtido a partir da cama-de-frango, ou outro resíduo animal, misturada com resíduos da agricultura convencional, como no caso de bagaço de cana. Evidentemente que em todos esses casos, não se pode dizer que o composto obtido seja “químico”. Ele é sim “orgânico”, mas isso não quer dizer que esteja limpo, ou seja, livre de substâncias tóxicas como por exemplo os agrotóxicos e os metais pesados, presentes principalmente no lixo urbano, ou ainda os antibióticos presentes nos resíduos de criação convencional de animais.

Como podemos ver, tão importante ou mais que usar composto, é saber a origem dos materiais a partir dos quais ele será obtido. Sem saber exatamente essa origem, muitos agricultores, ainda que bem intencionados, acabam contaminando seus solos e dependendo do tipo de contaminação, poderá levar muitos anos até que tais substâncias saiam do sistema.

Primavesi também cita: “Acredita-se que o composto é a única fonte de nitrogênio, além dos rizóbios das leguminosas. Isso não é correto e, geralmente, existe pouca interrelação entre o nitrogênio fornecido pelo composto e o nitrogênio que se encontra no solo. Qualquer material orgânico, inclusive a palha aplicada superficialmente consegue fixar nitrogênio do ar durante a sua decomposição. Portanto, o que importa não é tanto o material com que o composto é feito, mas que a sua decomposição final no solo seja feita por bactérias aeróbicas capazes de fixar nitrogênio.”

Muitos também pensam que o nitrogênio proveniente dos compostos nunca causam desequilíbrio ao solo, por serem “naturais”. Na verdade, não é bem assim que as coisas funcionam. Se o composto for rico em nitrogênio, e isso normalmente acontece quando introduzimos na sua formulação os resíduos das criações camponesas de animais, pode acontecer de se verificar alguns problemas nas lavouras. Inicialmente, as plantas que recebem esses compostos tendem a desenvolver folhas grandes e vistosas que muitos acreditam ser devido a uma alimentação excelente por parte das plantas. Mas o que de fato ocorre na maioria desses casos é a deficiência de micronutrientes, no caso específico o cobre, induzida pelo excesso de nitrogênio. A cosequência quase sempre é o aparecimento de vários tipos de insetos sugadores que irão se aproveitar dos exsudatos metabólicos, em especial açúcares e aminoácidos livres, verdadeiros banquetes para os pulgões, por exemplo. O agricultor que não ficar atento a esses detalhes cai facilmente na armadilha de passar os anos seguintes tentando encontrar “remédios naturais” para os problemas de suas lavouras, ao invés de se fixarem na origem dos desequilíbrios observados pelas diversas culturas. E aí também se tornam presas fáceis das “empresas milagrosas” que tentam vender suas “facilidades biotecnológicas”. A conclusão desse parágrafo deixamos para a imaginação de cada leitor.



Construindo as composterias na mandala

Normalmente para se obter o composto usam-se leiras, que nada mais são que canteiros da mistura dos diversos materiais utilizados, normalmente sobre o piso de terra batida ou ainda em cima de pisos de betão. Em Moçambique usamos uma estratégia um pouco diferente, e que vem sendo aprimorada ao longo dos anos.

Dentro daquela lógica que apresentamos no final do capítulo anterior, quando discutimos as machambas em formato de mandalas, também no que diz respeito às nossas composteiras seguimos um caminho semelhante. O interessante é que o resultado que apresentaremos a seguir foi conseguido a partir do desenvolvimento do conceito da mandala feito pelos nossos próprios funcionários de campo. No início das nossas atividades escolhíamos algumas árvores no nosso terreno e em volta delas cavávamos uma espécie de canteiro com 60 a 80 cm de profundidade. Claro que isso era muito facilitado pelo tipo de solo arenoso da nossa região, mas o fato é que dispunhamos normalmente de três ou quatro anéis concêntricos, dentros dos quais armazenávamos alguns dos poucos resíduos de nossa produção agrícola e uma quantidade grande de folhas secas das árvores, principalmente cajueiros, mangueiras, mafureiras, massaleras e canhueiros, além de várias espécies de capins, oriundos das capinas. Ao construir essas leiras sob a copa das árvores, o objetivo é tentar manter o material o mais refrescado possível, além da sombra ajudar na manutenção da umidade.

Composteira sob a copa de um cajueiro, na Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene.


Porém, como logo ficou evidente, era muito mais proveitoso, e energéticamente mais econômico, construir as composteiras dentro das mandalas. Para isso, escolhemos alguns seguimentos de canteiros e reproduzimos o trabalho descrito no parágrafo anterior. A diferença é que fazendo dessa forma, economizamos muita energia no transporte do composto para os canteiros. Além disso, a própria decomposição do material, com o passar do tempo, vai enriquecendo o solo do que futuramente passa a ser canteiro cultivado. Hoje, esse é o nosso padrão de composteiras, quando delas necessitamos.



Composteira no interior da mandala da Agricultura Natural na comunidade de Santa Isabel, Marracuene.

sábado, 19 de abril de 2014

AULA 9 - Texto de apoio


5. Planejando a produção e preparando o solo
(Capítulo 5 do Módulo II da Apostila do Curso de Agricultura Natural)

A essa altura, o leitor/estudante certamente já deve ter percebido que nesse nosso curso de Agricultura Natural estamos evitando ao máximo indicar receitas ou fórmulas para desenvolver o trabalho natural com a terra. De fato, temos por hábito informar às pessoas que se interessam em aprender um pouco mais sobre a Agricultura Natural que ensiná-la, na verdade, é algo quase impossível, pelo menos num período de tempo inferior, digamos, a uns 20 ou 30 anos. Por outro lado, nosso esforço vem sendo em tentar compartilhar com as pessoas uma nova forma de enxergar o mundo ao seu próprio redor. Ao invés de ensinarmos receitas, procuramos compartilhar conceitos.
Talvez isso possa ser um pouco frustante para aquele agricultror iniciante que deseja obter seus resultados de maneira quase instantânea. Porém, costumamos dizer que a natureza tem o seu próprio tempo e o cultivo segundo seus fundamentos precisa levar isso em conta. Por outro lado, também temos a consciência de que nem sempre é possível esperar meses, ou até anos, para que um campo agrícola se torne uma espécie de modelo da Agricultura Natural para, só a partir daí, começarem a vir os rendimentos para o agricultor e sua família.
Dessa forma, precisamos encontrar uma espécie de caminho do meio, através do qual seja possível garantir a subsistência e desenvolvimento da família agricultora, à medida que o equilíbrio ecológico vá, gradualmente, sendo estabelecido na propriedade.
Quando falamos em planejamento agrícola a partir do trabalho com a Agricultura Natural, estamos nos referindo a uma forma bem diferente daquela conhecida pelos agrônomos e técnicos especializados no agronegócio convencional. Aqui não cabem as mesmas planilhas de cálculos em que se entram, por exemplo, com os resultados das análises de fertilidade de solos e imediatamente conseguem-se os receituários com as formulações e quantidades de fertilizantes necessários para se garantir uma colheita, pré-definida, de uma determinada cultura agrícola. Até porque tentar fazer isso numa propriedade agroecológica em que se cultiva dezenas de espécies de plantas diferentes na mesma machamba, dividindo muitas vezes os mesmos espaços, esse tipo de cálculo pode ser muito difícil senão quase impossível.
Na lógica do trabalho natural, precisamos levar em conta que a ordem dos fatores pode sim mudar os resultados finais. Por exemplo, na nossa experiência com as machambas, observamos que, até certo ponto, quem determinada a quantidade de uma certa cultura a ser plantada é o próprio campo. Quando é o agricultor quem determina a quantidade que ele quer colher, o que parece ser o mais lógico pelo senso comum, pressionado pela demanda do mercado consumidor, raramente ele irá prestar a devida atenção na capacidade natural do seu campo em atender às demandas externas. O resultado dessa forma de agir é um aumento considerável da artificialidade do sistema. Em outras palavras, provavelmente irá ser necessário alterar, e muito, as condições naturais de um campo para ele conseguir atender às expectativas de produção.
Por esse motivo é que na estratégia de produção natural ou orgânica de alimentos, a biodiversidade é de suma importância. A lógica é consideravelmente diferente daquela lógica convencional de cultivo, onde se preferem grandes campos de monocultivo no lugar de diversificar a produção agrícola com dezenas de plantas diferentes. Evidentemente que isso também leva à necessidade de desenvolver novas formas de comércio dos produtos agrícolas, e vamos estudar um pouco mais sobre isso ao final do curso.
Quando falamos em planejamento agrícola, nossa visão vai muito além da simples relação área a ser cultivada e produtividade alcançada. Nosso objetivo na Agricultura Natural é garantir que a produção de alimentos respeite o seu meio-ambiente de forma a garantir permanentemente a produção agrícola ao longo dos anos e gerações. Nesse sentido, alguns passos iniciais são fundamentais para o sucesso do nosso trabalho.

Observação e interação
Consideramos fundamental observar atentamente as condições naturais do solo de uma determinada propriedade antes de tentar estabelecer as metas de produção agrícola. Isso está de acordo com o princípio de minimizar a artificialização do meio através de técnicas exageradas de correção de solo, aração e outros. Além disso, é preciso ter em conta o balanço hídrico necessário para o pleno desenvolvimento das culturas plantadas. Por exemplo, se na propriedade a água é um fator limitante, escolher culturas que demandam grande quantidade dela como bananeiras, inhames e outros, não será, de forma alguma, uma estratégia interessante.
Importante estar alerta para todos os elementos do sistema como ventos predominantes, existência de barreiras naturais como árvores, depressões no solo, zonas úmidas, etc. Conhecer cada metro quadrado da área onde será implantada sua lavoura ou machamba será muito útil e poderá trazer, a médio e longo prazo, informações valiosas a respeito dos resultados parciais alcançados.
Também é importante conhecer quais as espécies de animais que habitam a área tais como pássaros, lagartos, cobras, roedores, etc. As abelhas são fundamentais para garantir a polinização das futuras culturas e sendo assim, tentar identificar o local das colméias, assim como os ninhos dos pássaros também será interessante. Nas nossas machambas, esses locais são considerados verdadeiros santuários e todos os esforços são empregados para preservar todas as espécies de animais ali presentes.
As plantas nativas, com suas floradas periódicas, também são responsáveis por manter todo um universo de insetos e pequenos animais. Sendo assim, um levantamento das espécies existentes, com a devida interpretação da sua presença no campo conforme discutimos anteriormente (plantas indicadoras), será valioso para definirmos os futuros locais de cultivo.

Captação e armazenamento de energia
Na ânsia de logo obter os resultados agrícolas, a maioria dos agricultores, quando incia o seu trabalho numa determinada área, logo promove a chamada limpeza do terreno. Porém, o que ele de fato acaba por fazer é desperdiçar enormes quantidades de energia acumulada, muitas vezes ao longo de anos, na forma de biomassa, resultado direto da absorção da luz solar e de complexos sistemas metabólicos. Toda a vegetação inicialmente presente numa determinada área representa um incomensurável esforço da natureza em abastecer o solo com a energia vital para que possamos, no seu devido tempo, cultiva-lo e obter nossos alimentos verdadeiramente saudáveis.
Dessa forma, uma etapa muito importante do planejamento agrícola, no nosso contexto de trabalho, refere-se ao reconhecimento da necessidade de não apenas tentar aproveitar integralmente a energia natural de um terreno como também em promover as ações necessárias para manter e, até certo ponto, aumentar a sua capacidade em acumular essa mesma energia.
Já discutimos a importância das árvores e sendo assim, uma forma de preservar e aumentar a energia de um campo é preservar todas as árvores que for possível. Se eventualmente houver mesmo a necessidade de retirar algumas delas, é extremamente recomendável plantar outras nas proximidades daquelas que foram retiradas.
Muitas vezes os agricultores “abrem” o solo com máquinas agrícolas pesadas, como por exemplo o trator acoplado ao arado ou grade niveladora, e o deixam exposto ao sol e chuva sem nada a ser cultivado. De fato, muitas vezes para que possamos cultivar o nosso solo será necessário promover algumas operações com a ajuda de maquinaria. No entanto, só devemos realmente preparar áreas que irão ser imediatamente cultivadas. Do contrário, é preferível que as deixemos mantidas com sua vegetação, preferencialmente nativa. Mas também podem ser plantadas diversas espécies de plantas que promovam um condicionamento melhor do solo como girassóis e diversas outras culturas como as leguminosas, que são excelentes fixadoras de nitrogênio. Dessa forma, promovemos o cultivo do sol, uma forma diferente e elegante de dizer que iremos produzir matérias-primas para a obtenção de nosso adubo natural.
No período chuvoso e de altas temperaturas, é interessante tentar fazer com que o nosso campo absorva e acumule o máximo de energia possível. O plantio de espécies fixadoras de nitrogênio, de espécies que produzem muita biomassa e de outras que promovam a biodiversidade, é uma estratégia muito interessante para enriquecer nossos solos.
Vivemos em um mundo de riquezas sem precedentes resultantes da coleta de enormes estoques de combustíveis fósseis criados pela Terra ao longo de bilhões de anos. Temos utilizado parte dessas riquezas para aumentar nossa colheita dos recursos renováveis em proporções insustentáveis. A maior parte dos impactos adversos dessa excessiva colheita ficará mais evidente na medida em que a disponibilidade de combustíveis fósseis for diminuindo. Em linguagem financeira, estamos consumindo o capital principal de forma irresponsável o que levaria qualquer empresa à falência.
Precisamos aprender como economizar energia e reinvestir a maior parte da riqueza que estamos consumindo ou desperdiçando atualmente, de modo que nossos filhos e descendentes possam ter uma vida igual ou melhor que a nossa.
Conceitos inapropriados de riqueza nos levaram a ignorar oportunidades para capturar fluxos locais de formas renováveis e não-renováveis de energia. Identificar e atuar nessas oprotunidades pode suprir a energia com a qual poderemos reconstruir o capital principal, bem como proporcionar renda para nossas necessidades imediatas.
O sol, o vento e os fluxos de escoamento superficial de água, quando bem manejados, são algumas das fontes de energia que podem ser utilizadas para o bem comum não só da propriedade, mas também de toda a comunidade do seu entorno.
Segundo alguns estudiosos, os estoques mais importantes com valor futuro, ou seja, uma espécie de poupança para o futuro, incluem:
  • Solo fértil com alto teor de matéria orgânica;
  • Sistema de vegetação perene, especialmente árvores, produção de alimentos e outros recursos úteis;
  • Corpos e tanques de água;
  • Edificações com utilização de energia solar.

Obtenção e otimização dos rendimentos
Você não pode trabalhar de estômago vazio. Como vimos até aqui, devemos planejar qualquer sistema agrícola para que ele nos proporcione auto-suficiência em todos os níveis, utilizando energia capturada e armazenada eficientemente para manter o próprio sistema e capturar mais energia.
Contudo, sem uma produção útil imediata e verdadeira, qualquer coisa que projetarmos e desenvolvermos tenderá a enfraquecer até a morte, enquanto elementos que geram uma produção imediata proliferarão, ao menos nos primeiros anos.
Produção, lucro ou renda funcionam como uma recompensa que encoraja, mantém e/ou reproduz o sistema que gerou o rendimento. Desse modo, sistemas bem sucedidos se disseminam. Em linguagem de sistemas, essas recompensas são chamadas de circuitos de retroalimentação positiva.
Aqui começa a aparecer um importante aspecto do trabalho com a Agricultura Natural quando privilegiamos a biodiversaidade de nossos campos. Uma das características de sistemas dessa natureza é que eles permitem ao agricultor um fluxo constante de produtos sendo colhidos e consequentemente comercializados. Por exemplo, um agricultor que cultiva 20 ou 30 espécies diferentes de plantas, com ciclos produtivos razoavelmente distribuídos ao longo do ano, terão muito mais condições de manter suas feiras, digamos, semanais, bem abastecidas ao longo do tempo. Do contrário, se forem cultivadas poucas espécies vegetais de cada vez, como infelizmente acontece com grande parte dos agricultores, os rendimentos tenderão a se concentrar em algumas poucas épocas ao longo do ano. Além disso, é preciso levar em consideração que na maioria das vezes em que os agricultores estão colhendo, por exemplo, o tomate, a maioria de seus vizinhos também o estarão fazendo. A consequência imediata é uma acentuada queda dos preços e com isso, os agricultores poderão ficar em sérios apuros.
Por outro lado, a diversificação das culturas também abre a chance de agregação de valores com as colheitas. A presença de frutas nativas, aliada à colheita de outras como morangueiros, physalias (golden berry), etc., podem ser fontes muito interessantes de renda a partir de doces e geléias produzidas pelas famílias camponesas em instalações relativamente simples e de baixo custo de implantação.

Plantar de acordo com a época certa do ano
Muitas vezes, por pressões do mercado, ocorre dos agricultores tentarem a todo custo forçar a natureza de muitas plantas cultivadas. Um exemplo clássico é o caso das alfaces que, sendo plantas originárias de climas mais amenos e que necessitam de condições mais favoráveis de chuvas, hoje são cultivadas em praticamente qualquer parte do planeta. Evidentemente que isso trouxe consequências sérias como a crecente fragilização das inúmeras variedades de alface melhoradas geneticamente ao longo das últimas décadas. Além disso, em muitos lugares onde a água é escassa, com pouca precipitação pluviométrica ou ainda onde as chuvas não são regulares ao longo de todo o ano, apela-se para sistemas de irrigação que muitas vezes acaba por consumir quantidades muito grandes de água, podendo até ocasionar serios danos às populações locais no futuro. Esse é mais um exemplo de artificialização excessiva dos sistemas agrícolas e, segundo os fundamentos da Agricultura Natural, mais cedo ou mais tarde a natureza irá cobrar o seu preço.
Portanto, saber escolher que espécie plantar e qual a melhor época do ano é fundamental para o agricultor obter sucesso no seu trabalho. Existem muitas variedades de plantas que foram, ao longo do tempo, sendo adaptadas para esta ou aquela condição climática, especialmente em relação à temperatura ambiente e à quantidade de luz solar disponível ao longo dos dias. Não é difícil encontrar sementes de plantas no mercado que são “indicadas”, por exemplo, para serem cultivadas no verão, embora sejam plantas originalmente de climas frios. O agricultor poderá escolher dentre muitas espécies diferentes, mas aconselhamos que fique atento para o princípio de que, do ponto de vista da Grande Natureza, muitas destas plantas são estranhas ao ambiente onde ele vive e trabalha. Portanto, ele deverá levar em conta esse fato, principalmente nas eventuais ocorrências de pragas e doenças.
Como forma de auxiliar na escolha das culturas a serem semeadas e cultivadas ao longo do ano, apresentamos o nosso calendário agrícola, elaborado a partir da observação de campo ao longo dos últimos anos nas condições climáticas da província de Maputo, em Moçambique. 
 
Começando a preparar o solo
Viemos até aqui discutindo diversos conceitos que irão nos ajudar a compreender um pouco mais sobre diversos aspectos da Agricultura Natural. Se esta apostila fosse um manual agrícola típico, talvez tivéssemos iniciado nossa discussão de uma maneira completamente diferente da que estamos apresentando aqui. E isso não é sem motivo. Pela ciência convencional, o solo é visto apenas como um suporte “inerte” (portanto, sem vida) que irá manter nossas culturas e ainda um meio físico através do qual as plantas podem obter seus nutrientes, sejam eles de fontes naturais ou artificialmente fornecidos pelo homem.
A esta altura, esperamos que já tenha ficado claro para todos os leitores, que na nossa abordagem de trabalho, o solo, e portanto o seu preparo, constitui num dos passos fundamentais que irão propiciar, no futuro, as colheitas fartas e sadias típicas da Agricultura Natural. No capítulo 3, do Módulo I da nossa apostila do curso, tivemos a oportunidade de apresentar a visão de Mokiti Okada sobre o solo. Aconselhamos vivamente ao leitor que releia aquele capítulo e repita esse procedimento tantas vezes sejam necessárias, até que fique bem claro o ensinamento por ele apresentado. Em outras palavras, tudo começará pela forma com que iremos tratar o nosso solo, se como um ser vivo ou apenas um amontoado de rochas pulverizadas, argilas e areia.
O preparo do solo para a prática da Agricultura Natural envolve diversas etapas de trabalho. A primeira delas foi a discussão anterior, reconhecendo-o como um ser vivo que necessita de todos os cuidados para que possa manifestar sua verdadeira natureza. Na sequência do trabalho, procuramos sempre manter o solo coberto com algum tipo de vegetação, como por exemplo, leguminosas que funcionam como adubação verde. Nas condições ideais, essas coberturas verdes conseguem manter os solos protegidos das intempéries do sol e das chuvas fortes e propiciam um meio através do qual bilhões de microorganismos irão naturalmente se fixar a eles.


Cobertura do solo com feijão-guandu e abóbora. Note a cobertura morta de capim nas entrelinhas dos plantios. Pólo de Agricultura Natural da Moamba.

A presença de matéria orgânica no solo é de suma importância. Porém, diferentemente do que a maioria das pessoas pensam, a matéria orgânica não é adubo. Ela é alimento para a vida microbiana aeróbica do solo, responsável por fixar o nitrogênio atmosférico e mobilizar diversos nutrientes minerais presentes nos constituintes dos solos. Tendo essa informação como base, vemos a importância de cuidarmos de forma adequada de nossos solos, antes mesmo de lançarmos nossas sementes ou transplantarmos nossas mudas.

O uso de maquinaria pesada, principalmente com o uso do arado ou grade, pode provocar em pouco tempo a desestruturação física dos solos, ao permitir a formação de uma lage de compactação, normalmente localizada a uns 20 ou 30 cm de profundidade. É essa lage de compactação a principal responsável por impedir a percolação da água para camadas mais profundas do solo bem como a formação de agregados originários da atividade microbiológica benéfica. Com o tempo, a água estagnada na superfície tenderá a provocar uma compactação muito mais acentuada do solo e como consequência disso, com o passar do tempo, pode não restar outra alternativa senão o abandono da área por até muitos anos.
Preferencialmente, devemos usar máquinas leves para a execução dos trabalhos de preparo dos nossos solos. Além disso, devemos também prestar bastante atenção nas condições de umidade, pois as atividades mecânicas, se executadas com o solo úmido, podem provocar danos ainda maiores favorecendo também a compactação.
Para um solo ser considerado saudável ele deve ser agregado, ou seja, deve apresentar uma porosidade suficiente que permita a penetração adequada das raízes das plantas, a entrada de ar, necessária para o desenvolvimento dos microorganismos benéficos, e também, como já mencionamos, a água. Conhecendo melhor o solo, sua fertilidade, interação com os insetos e microrganismos, além do funcionamento das plantas, compreenderemos melhor os processos da natureza e, com a ajuda dela, o nosso trabalho tenderá a ser bem sucedido.
No solo existem milhares de seres vivos de inúmeras espécies diferentes, que interagem e se complementam no processo de decomposição da matéria orgânica. Toda essa atividade biológica acaba por promover a disponibilização dos nutrientes necessários para o desenvolvimento vegetal em quantidades adequadas e equilibradas. É esse conjunto de vida, matérias decompostas e nutrientes disponibilizados que dá qualidade ao solo. Esta qualidade significa mais fertilidade, estrutura e umidade, dentre outros fatores. Quanto mais vida, mas fertilidade há no solo. Quanto mais fertilidade, maior garantia de saúde para as plantas e animais. E quanto mais saúde, maior produtividade do sistema de produção.
De forma geral, existem três tipos de solo: arenoso, areno-argiloso e o argiloso. Cada um destes três tipos de solo apresenta certas peculiaridades que lhes são inerentes e que definem as suas potencialidades para o desenvolvimento de determinadas culturas. Assim, existem culturas que se adaptam melhor a solos arenosos, como é o caso do amendoim e do feijão-nhemba, outras a solos argilosos e assim por diante. Cabe a cada agricultor, portanto, observar, estudar e aprofundar nestas particularidades e definir o melhor sistema de plantio a ser adotado, de acordo com a realidade encontrada no local.

Manejo ecológico do solo
Como já vimos, para um manejo ecológico do solo devemos introduzir os conceitos básicos para que os praticantes possam conduzir sua produção agrícola natural, de forma a aproveitar o máximo do potencial existente no local e permitir maior interação com a natureza e os fatores que predispõem ao sucesso da produção natural. Dentre esses conceitos já citamos a biodiversidade, introdução de barreiras de vento, adubação verde e a consorciação de culturas. Falta-nos ainda discutir um pouco mais sobre a cobertura do solo e o aumento do sistema radicular das plantas.
A prática da cobertura do solo é uma técnica extremamente importante nos trópicos, uma vez que ela auxilia na redução da temperatura do solo, principalmente em épocas muito quentes e, ainda, o protege contra o calor intenso, o impacto das chuvas e dos ventos fortes. Essa prática contribui para a redução de perdas do solo por erosão, além de auxiliar na estruturação e na manuteção da sua umidade, garantindo assim, economia de água na produção agrícola.
A cobertura do solo consiste na aplicação de materiais de origem vegetal sobre a superfície, podendo este ser material seco (cobertura morta), bem como material verde (cobertura viva), na forma da própria vegetação espontânea natural da região. O plantio adensado das culturas também pode representar o papel de cobertura viva no solo.
O ideal é que esta cobertura seja feita com materiais disponíveis na propriedade, tais como palhas de capim, cana, caniço, cascas de árvores e outros materiais. Uma das alternativas que estamos utilizando em Moçambique é o uso de caniço para recobrir muitos dos nossos canteiros. O caniço é um material relativamente barato e de fácil acesso à população moçambicana e o seu uso traz muitas vantagens além da proteção dos solos contra as chuvas torrenciais. O caniço também ajuda a manter a umidade do solo e uma temperatura mais amena, normalmente na casa dos 20 aos 25 oC ao longo de todo ano. E além disso, é um produto natural, que irá se decompor ao longo dos anos enriquecendo ainda mais o solo com matéria orgânica, contrariamente ao que acontece, por exemplo, quando se usam lonas de plástico preto. Do ponto de vista biológico, o caniço permite que o solo respire muito mais facilmente e consiga atingir um equilíbrio mais interessante entre as culturas cultivadas e as espécies espontâneas.
Aqui também entra o raciocínio já discutido anteriormente da necessidade de minimizar a artificialização dos sistemas agrícolas, principalmente quando trabalhamos com a Agricultura Natural. Acreditamos que nossas intervenções, quando necessárias, devem levar em conta a capacidade da própria natureza em restabelecer seu equilíbrio original de forma mais pacífica. Fornecer aos campos uma alternativa natural de cobertura, ao invés de forçar o sistema todo com o emprego de materiais não-biodegradáveis e que ainda alimentam toda uma cadeia de produção química industrial, como são os plásticos, vai ao encontro com o raciocínio de privilegiar os ciclos naturais de todo o nosso meio ambiente.

Uso do caniço para cobrir canteiros de produção agrícola. Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene.


Dentre outros benefícios da cobertura do solo, podemos ainda citar o estímulo ao desenvolvimento das raízes das plantas, que se tornam mais eficazes em absorver água e nutrientes do solo; o aumento da capacidade de infiltração de água, reduzindo a erosão; controle da vegetação espontânea (note-se que não falamos em eliminação da vegetação espontânea); ativação da vida do solo, favorecendo a reprodução natural de microrganismos benéficos às culturas agrícolas; e abrigo para diversas espécies de pequenos animais e insetos, contribuindo para o equilíbrio ecológico do sistema.

Otimizando os espaços
Para finalizarmos esse capítulo, gostaríamos de discutir agora uma questão estratégica, que muitas vezes pode significar a própria viabilidade dos campos agrícolas a serem implantados, principalmente em termos de sua sustentabilidade a longo prazo. Trata-se de como ocupar o nosso terreno com os campos e canteiros.
A permacultura introduziu o conceito de design agrícola aos campos de cultivo. A lógica desse trabalho leva em consideração usar os espaços de maneira inteligente e, consequentemente, mas eficaz. Uma discussão mais detalhada do design permacultural pode ser encontrado através de algumas das referências bibliográficas ao final desse módulo da apostila.
Mas um aspecto interessante e que gostaríamos de aprofundar um pouco mais aqui diz respeito à forma com que muitas vezes organizamos nossos canteiros e machambas. O modelo que apresentaremos não foi desenvolvido inicialmente por nossa equipe e acreditamos que já exista há muito tempo espalhado pelo mundo afora. Trata-se da configuração mandala. Mas antes de continuarmos, vale a pena ressaltar que o nosso manejo do solo não é refém desse tipo de configuração. Apenas damos a ele certa preferência por apresentar muitas vantagens em termos dos baixos custos de implantação, melhor gerenciamento da área, economia de energia, etc. Contudo, em determinadas circunstâncias, podemos e fazemos uso de outras configurações em nossos campos.
Uma horta ou machamba mandala, como por vezes a chamamos, é constituída por uma série de canteiros circulares concêntricos. Normalmente instalamos nossa fonte de água no centro dessas mandalas para que possamos ter um melhor controle das operações de irrigação, com considerável redução do esforço físico. Isso porque nem sempre é possível termos à mão os sofisticados sistema de irrigação e por vezes, mesmo em algumas de nossas áreas, somos obrigados a realizar a irrigação manual. Esta é, aliás, a realidade da maioria dos agricultores camponeses no interior de África. E por isso mesmo, algumas de nossas machambas são mantidas intencionalmente com o mais baixo nível de tecnologia externa, exatamente para que sirvam como referência de trabalho para pequenos agricultores familiares.
Na configuração mandala temos muitas vantegens operacionais. Por exemplo, a eficiência das barreiras de vento quando instaladas nas bordas de canteiros circulares concêntricos traz a vantagem de proteger todo o perímetro da área interna, independente da direção do vento num determinado dia. Assim, não precisamos nos preocupar com a questão das direções preferenciais dos ventos que, em muitas regiões, mudam com o passar dos meses.
Outro aspecto intressante diz respeito à economia de energia. Exemplifiquemos isso com um pequeno exercício. Vamos imaginar que nosso agricultor camponês irá implantar sua machamba numa área de 2.500 metros quadrados. Agora vamos imaginar que ele, como a grande maioria dos agricultores, queira configurar sua área de forma retangular, e nesse caso vamos supor que o faça de maneira que a área tenha as dimensões de 20 x 125 metros. Agora, para efeito didático, vamos supor que a única fonte de água disponível esteja localizada numa das extremidades dessa área. O leitor provavelmente já deve ter visto áreas de cultivo coletivo pelo interior de Moçambique ou mesmo em outros países, onde os agricultores se instalam ao redor de fontes de água em lotes retangulares. Portanto, nem é tão difícil assim imaginar esse nosso exemplo.
Agora vamos considerar as operações de irrigação manual. Como pode ser visto pelo diagrama a seguir, na configuração de terreno considerada, nosso agricutor terá de levar a água a uma distância de até 125 metros da sua fonte. Considere que muitas vezes ele só dispõe de regadores manuais e tenha uma noção do esforço gigantesco que ele será obrigado a fazer durante todo o dia, sete dias por semana, 54 semanas por ano e assim por diante. A esse esforço, nossa equipe costuma dar o nome de índice de xima1. Em outras palavras, nosso agricultor gastará enormes quantidades de energia e tempo que, de outra forma, poderiam estar sendo empregados em outras atividades mais cruciais em sua machamba. A irrigação é só uma das operações que demandam gasto de energia. Também é preciso considerar os tratos culturais como um todo, desde o transplantio de mudas até a capina, sem esquecer, é claro, das colheitas.

 
Diagrama dos canteiros retangulares e nos formatos de mandala.

Já num sistema mandala, temos uma lógica bem diferente. Para a mesma área de 2.500 metros quadrados, podemos instalar nossos canteiros dentro de um espaço de 50 x 50 metros. Isso quer dizer que na nossa mandala, a partir do centro onde estará nossa fonte de água, a maior distância que o agricultor precisará percorrer, em qualquer que seja a direção, será de apenas 25 metros. Isso corresponde, a grosso modo, uma redução de 80% do esforço empregado!
Claro que essa é uma simplificação do cálculo, pois é preciso considerar muitas variáveis para tentar chegar a um número mais preciso. Mas o importante aqui é apresentar a lógica do trabalho quando tentamos otimizar nossos espaços e campos de cultivo. Por outo lado, existem inúmeras variações desse tipo de configuração e a escolha do modelo a ser adotado ficará a critério, claro, dos próprios agricultores. A intenção de apresentar esse modelo aqui é de apenas dar uma referência a mais e mostrar algumas das vantagens de se gastar algum tempo planejando as atividades antes de iniciar o cultivo da área propriamente dito. 
 
Implantação da Machamba Modelo da Agricultura Natural em Marracuene, em formato mandala.

Demarcação dos canteiros nas mandalas
É muito simples implantar uma mandala. Para facilitar a marcação dos canteiros, podemos utilizar estacas de madeira, fita métrica e cordas para definir os limites de cada canteiro. Assim, colocamos as estacas em cada limite, amarramos uma corda em cima da superfície do solo e iniciamos o levantamento dos canteiros com o auxílio da enxada. Para solos arenosos deve-se tomar o cuidado para fazer pequenas bordas, transformando o canteiro em pequenas bacias, para que a água de rega não escorra lateralmente pelos canteiros. Já no caso de solos de textura média ou argilosos, esse tipo de formato de canteiro não é o mais recomendado, pois algum eventual excesso de água de irrigação poderá fazer com que se criem lodaçais nessas pequenas bacias. Nesse caso, o melhor é levantar os canteiros como mostrado na figura abaixo. 
 
Perfil dos canteiros construídos em terrenos arenosos no formato de bacias.
 
Perfil dos canteiros construídos em terrenos com solo de textura média e argilosos, no formato “normal”.

Incorporação de matéria orgânica
Após o preparo dos canteiros, iniciamos a incorporação do material orgânico (restos de folhas, de capim, composto, etc.) e revolvemos a terra, juntamente com o material orgânico até o limite máximo de 20 cm. Em seguida, nivelamos o canteiro e cobrimos com capim seco, deixando o solo em preparo por até 10 dias. Se o material incorporado for constituído por folhas secas e capim seco, bem como material proveniente da compostagem, o período de preparo pode ser reduzido para 5 dias, ou menos. Estes prazos dependerão da natureza do material utilizado e das observações dos próprios agricultores.
Durante o período de preparo, o solo deve ser molhado diariamente, apenas para manter a umidade. Se observar que o solo está úmido, não é necessário fazer rega. Após esse período, devemos verificar o cheiro do solo. Se estiver com cheiro agradável, como se fosse solo de mata virgem, o canteiro está pronto para ser semeado.

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1 Xima é um alimento tradicional feito a partir da farinha de milho branco e muito consumido pela população Moçambicana. Em outros países africanos existem variações do prato como é o caso do fungi em Angola. No Brasil, o angu seria um prato muito similar.